Wednesday, January 24, 2007

Pesadelo

(Artigo publicado no jornal ZH no dia de hoje)
Pesadelo
ALOYZIO ACHUTTI. Membro da Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina

O crime organizado será real ou um pesadelo? Mudança de ano e reinício de governo são momentos muito mais propícios para desejar felicidade e alimentar esperanças e ilusões, mas podem servir também para refletir e acordar.

A busca da segurança parece ter sido sempre um objetivo da humanidade, se não o é também de todo o ser vivo, que se reveste de acessórios (espinhos, secreções cáusticas, carapaças etc.) para se defender de potenciais agressões.

Não é sonho não! O mal é real e antigo. Muda de forma e intensidade, exigindo constante adaptação nas estratégias de defesa. Já foram bandoleiros nas estradas, hordas de bárbaros, bucaneiros e piratas, cangaceiros, esquadrões da morte, máfias de várias nacionalidades, guerrilheiros, juventude transviada, gangues urbanas, os sem-isso ou sem-aquilo, os hackers, as milícias, agora são os traficantes atrapalhados em seus negócios e presidiários muito bem articulados com seus sócios extramuros.

Enquanto der resultado, enquanto o negócio for rentável e houver clientela interessada na mercadoria ou nos resultados políticos da contravenção, o comportamento anti-social do momento continuará crescendo.

E não é só por eficiência mercadológica escusa, sabe-se que chamar atenção para os rejeitados, vingança por desprezo e maus-tratos, a busca de uma identidade ou notoriedade - mesmo que por caminhos escabrosos, servem também como objetivo na vida para muita gente.

As prisões têm hoje a eficiência das muralhas e fortalezas depois da descoberta da pólvora e da dinamite: são símbolos ultrapassados de segregação social, onde a elite da contravenção encontra condições ideais de trabalho para estudar, planejar, discutir, comandar e controlar seus projetos, utilizando recursos sofisticados e - por que não - alguns agentes duplos que, mal pagos como funcionários públicos, encontram formas de complementar sua renda.

A simples reclusão restringe um bem muito importante que é a liberdade de ir e vir, mas em compensação, com tempo disponível e criatividade, abre novas oportunidades de organização. Algum tipo de trabalho, mesmo que forçado, faria muito bem para a saúde dos presos, pode ser uma forma de reeducação, competiria com o ócio protegido, e daria uma oportunidade para pagar dívidas com a sociedade, se alguma pontinha de culpa ainda existir.

Enquanto muitos dormiam em berço esplêndido, deixou-se construir uma sociedade paralela, espontânea, anárquica, deseducada, com a função de fazer o serviço sujo, mais rentável do que os empregos formais que lhes são oferecidos.

Ao se acordar para um novo ano e novo ciclo de governo, uma facção significativa da sociedade está acionando o despertador para a necessidade de um novo "Ministério da Defesa Social" que não busque apenas jogar uma elite contra a outra, encerrando uns em masmorras protegidos por agentes penitenciários e outros atrás de grades residenciais com segurança privada.

Este é o pesadelo, e deve ser possível acordar com uma solução científica, racional, lúcida, política, comprometida e de boa vontade para se conseguir mais do que o simples crescimento do produto interno bruto.

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